A IMPORTÂNCIA DAS COOPERATIVAS COMO EXEMPLO DE SOLIDARIEDADE PARA O MUNDO PÓS-PANDEMIA

17/08/2023
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Fonte:CapacitaCOOP

Data: 17/08/2023

 

Por: Cabanellos Advocacia em 05 de 08 de 2021

 



 

Raimar Machado, sócio do Cabanellos Advocacia, Doutor em Direito do Trabalho, responsável pela área de Direito do Trabalho do escritório[1]

 

O mês de julho celebra o dia internacional das cooperativas, data significativa para se fazer memória dessa importante forma de união entre pessoas, que é capaz de promover os princípios de um novo modelo de economia baseado na solidariedade.

 

A Organização Internacional do Trabalho reconheceu nas cooperativas um caminho para a efetiva promoção da justiça social ao ponto de instituir a Recomendação n.193 em 2002, sendo seu papel também relembrado na declaração do centenário da Organização em 2019.

 

A origem do movimento cooperativo é vista na experiência de formação da cooperativa de Rochale (1844) na Inglaterra. Segundo Cançado e Gonçalo (2004, p.3):

 

Esta primeira cooperativa, que ficou também conhecida como Cooperativa dos Probos Pioneiros Eqüitativos de Rochdale, foi constituída como uma cooperativa de consumo. Seus fundadores, porém, não desejavam apenas alimentos puros a preços justos. Entre seus objetivos estavam a educação dos membros e familiares, o acesso à moradia, e ao trabalho (através da compra de terra e fábricas) para os desempregados e os mal remunerados.

 

Segundo os autores, muitos dos participantes desse movimento cooperativo já haviam participado de iniciativas embrionárias desse modelo, sendo adeptos das concepções defendidas por Robert Owen, o qual é considerado um dos precursores dos cooperativistas por suas ideias de solidariedade que impactaram na criação da OIT.

 

Segundo Singer (2002 apud CANÇADO e GONTIJO,2004), o resultado exitoso da experiência de Rochdale está expresso nos números do cooperativismo britânico, pois em 1881 já havia 547 mil associados em cooperativas e no ano de 1900 chegou-se a mais de 1 milhão de cooperados na Grã-Bretanha.

 

Concomitantemente a essa experiência surgiram outras espalhadas pela Europa, como as cooperativas de crédito na Alemanha e as de produção na França, espalhando-se o modelo também por Suíça, Itália, Noruega, além de chegar ao Japão. No Brasil as primeiras experiências são registradas no início do século XX, trazidas pelos imigrantes europeus (CANÇADO e GONTIJO,2004).

 

Sobre o movimento cooperativo brasileiro é importante lembrar o papel desempenhado pelo padre jesuíta Theodor Amstad na criação deste modelo, através da fundação da Sociedade União Popular (hoje Associação Theodor Amstad) e das Caixas Rurais, na primeira década do século XX, na cidade de Nova Petrópolis, localizada no interior do Rio Grande do Sul, onde o padre atuava com os imigrantes alemães, sendo até hoje exemplo de liderança no meio cooperativo (SANTOS, 2013).

 

A Igreja Católica através de sua Doutrina Social sempre defendeu um modelo econômico capaz de superar, concomitantemente, as ideologias liberais e comunistas através de uma nova fórmula que viesse a satisfazer, de modo pleno e justo, as necessidades sociais e de produção de bens e serviços.

 

O Papa Francisco no discurso proferido em 16 de março de 2019, em audiência com a Confederação das Cooperativas Italianas, reconheceu a função social das entidades produtivas, as quais permitem vivenciar a solidariedade e a vida empresarial de uma nova forma. Disse o Santo Padre:

O vosso modelo cooperativo, precisamente porque inspirado na Doutrina Social da Igreja, corrige certas tendências típicas da sociedade e do Estado, às vezes letais em relação às iniciativas privadas; detém a tentação do individualismo e do egoísmo típicos do liberalismo. Enquanto a empresa capitalista visa só o lucro, a cooperativa satisfaz as necessidades sociais […] o milagre da cooperação é uma estratégia de equipa que abre uma brecha no muro de uma multidão indiferente, que exclui os mais fracos”.

 

A fala do Papa, proferida em 2019, ganha relevo no atual cenário de pandemia, a qual mudou radicalmente as relações sociais e impactou no modelo econômico em que estamos inseridos, mostrando o quanto a necessidade social também deve ser observada pelos que detêm os meios econômicos, destacando-se o importante papel das cooperativas como modelo de relações econômicas solidárias.

 

A ideia de economia solidária se desenvolve na busca de relações econômicas mais justas, que promovam a cooperação, o respeito ao meio ambiente, a realização de um comércio justo e a promoção de um consumo consciente.

 

Em declaração proferida no ano passado, referente ao dia internacional das cooperativas, no auge da pandemia de Covid-19, o diretor da Organização Internacional do Trabalho mencionou a importância do papel das cooperativas como modelo capaz de enfrentar as crises globais. Disse Guy Ryder:

Ao longo da crise da COVID-19, cooperativas de produtores e de consumo têm sido cruciais em manter as cadeias de suprimentos de bens e serviços essenciais, recorrendo às suas comunidades e “relocalizando” economias. Cooperativas financeiras criaram fundos de solidariedade para apoiar negócios afetados e populações vulneráveis. Cooperativas industriais, de trabalho e sociais transformaram seus produtos e serviços para atender às demandas locais urgentes por equipamentos de proteção, alimentos, suprimentos e assistência social.

A Organização Internacional do Trabalho através da Recomendação n.193, reconhece a importância das cooperativas na criação de emprego, mobilização de recursos, geração de investimentos, e de sua contribuição para a economia. No mesmo documento, lembra que o modelo cooperativo promove a mais plena participação no desenvolvimento econômico e social de todos os povos.

 

Segundo a OIT, a cooperativa, na sua origem, é uma associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para atender às suas necessidades e aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais, por meio de empreendimento de propriedade comum e de gestão democrática.

 

A referida Resolução 193 destaca a necessidade de promoção e fortalecimento das cooperativas com base nos princípios cooperativos de autoajuda, espírito de responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade, bem como nos princípios éticos de honestidade, transparência, responsabilidade social e interesse pelos outros.

 

Ressalta ainda que o desenvolvimento da identidade cooperativa deve observar os princípios desenvolvidos pelo movimento cooperativo internacional, baseados na associação voluntária e acessível; no controle democrático pelo associado; na participação econômica do associado; na autonomia e independência; na cooperação entre cooperativas e no interesse pela comunidade.

 

O documento da OIT traz a importância de que os governos promovam a adoção de medidas especiais “[…] a para capacitar as cooperativas a atenderem, como empresas e organizações inspiradas na solidariedade, às necessidades de seus membros e da sociedade, inclusive às necessidades de grupos desfavorecidos, com vista à sua inclusão social”.

 

Antes mesmo deste chamado da OIT, a legislação brasileira reconheceu as cooperativas através da edição da lei federal n. 5.764 de 16 de dezembro de 1971, onde instituiu a política nacional de cooperativismo. Há que se destacar também a recente lei federal n. 12.690/2012, a qual regulamentou as cooperativas de trabalho.

 

Segundo o artigo 4° da Lei 5764/1971, as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas demais características apresentadas na lei[2].

 

Como pressuposto de regularidade de sua fundação, a sociedade cooperativa é constituída através decisão da assembleia geral dos fundadores, constantes da respectiva ata ou por instrumento público, neste documento em que deverá constar a denominação, os associados e estatuto.

 

Devemos ressaltar que as cooperativas regularmente constituídas não possuem vínculos empregatícios entre elas e seus associados, porém, em relação aos seus empregados, está igualada as demais empresas.

 

Também destacamos o polêmico artigo 55 da Lei de Cooperativas, o qual trouxe a previsão da estabilidade provisória ao diretor de cooperativa criada pelos trabalhadores, lhe garantindo os mesmos direitos do dirigente sindical. Sobre este aspecto, ainda não há posição unânime da jurisprudência trabalhista, a qual transita entre o entendimento de que o benefício é aplicável em qualquer circunstância e o entendimento segundo o qual a garantia não será aplicável em todas as situações, senão quando houver conflitos de interesse entre a cooperativa e outra entidade, empregadora, para a qual labore dirigente.

 

Como norte, o direito do trabalho reconhece e trata de forma diferenciada as relações entre cooperativados, a exemplo do que vemos na lei 12.690/2012, ao regular as cooperativas de trabalho.

 

O advento da referida lei está em harmonia com o posicionamento da OIT na Resolução 193, o qual cobra uma maior atuação do estado em favor dessas entidades tão singulares, porém a jurisprudência dos tribunais ainda diverge quanto ao reconhecimento do caráter singular das cooperativas, o qual só vem a se impor através de embates jurídicos por vezes longos, em prol da defesa do patrimônio dos cooperados.

 

Diante desse desafio ainda reconhecemos a legislação brasileira como pioneira na defesa e estímulo do cooperativismo e acreditamos que em um cenário pós-pandemia o modelo cooperativo seguirá despontando como caminho para o desenvolvimento de uma economia sustentável baseada na solidariedade e apta para responder às demandas de uma sociedade disruptiva.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm  Acesso em 10 dez. 2020.

 

CANÇADO, Airton Cardoso; GONTIJO, Mário César Hamdan. Princípios cooperativistas: origem, evolução e influência na legislação brasileira. In: ENCONTRO DE INVESTIGADORES LATINOAMERICANO DE COOPERATIVISMO, 3, São Leopoldo, 2004. Anais…, São Leopoldo: UNISINOS, 2004.

 

Declaração do Diretor-Geral da OIT no Dia Internacional das Cooperativas 2020. OIT, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/how-the-ilo-works/ilodirector-general/statements-and-speeches/WCMS_749760/lang–en/index.htm 

 

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Resolução 193 – Sobre a promoção de cooperativas. Disponível: http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_242764/lang—pt/index.htm  Acesso em 09 jul.2021

 

SANTOS, Alba Cristina Couto dos. As marcas de Amstad no cooperativismo e no associativismo gaúcho: as rememorações da associação Theodor Amstad e da Sicredi pioneira. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2013.

 

Papa Francisco: o milagre da cooperação abre uma brecha no muro da indiferença. Vatican News, 2019. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-03/papafrancisco- confederacao-coopertivas-italianas.html

 

[1] Doutor em Direito do Trabalho pela USP. Pós- Doutor em Direito pela Universidade de Roma Tre – Itália. Advogado. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

 

[2] Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:

 

I – Adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;

II – Variabilidade do capital social representado por quotas-partes;

III – limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;

IV – Incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;

V – Singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;

VI – Quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital;

VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral;

VIII – indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;

IX – Neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;

X – Prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;

XI – área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.

 

 

 

Fonte: CapacitaCoop

Data da publicação: 17/08/2023

 

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