QUANTO MAIS QUEIJO MELHOR

17/07/2015
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Conquistando interesse no mercado e no paladar do brasileiro, a produção artesanal queijeira amplia presença em nossa mesa, além de impactar e influenciar nas culturas locais de todo país por: Rodrigo Casarin

 

É na cidade mineira de São Roque de Minas que fica a fazenda de Zé Mário, onde ele produz um dos queijos mais famosos da Serra da Canastra, conhecida exatamente por causa do alimento. Todos os dias, bem cedinho, o produtor ordenha suas vacas sem que haja mais ninguém por perto – não quer que os animais fiquem estressados. É assim que começa o processo de fabricação artesanal do produto que já conquistou o gosto de muita gente. Outro dia, por exemplo, um magnata pousou com seu helicóptero na fazenda apenas para levar algumas peças para casa.

 

A família de Zé Mário é uma das mais de 30 mil – número estimado – que, hoje, vive da produção de queijo no Brasil, uma tradição que até pouco tempo atrás estava desaparecendo do país. Isso começou a se reverter nos últimos anos, após parte da sociedade encarar de outra maneira a relação com a comida, prezando sabores complexos, consumo responsável e incentivando produtores artesanais. “Essa cultura estava minguando por conta da industrialização do queijo fresco, vendido sem maturação, sem valor agregado”, explica Fernando Oliveira, proprietário da loja A Queijaria, localizada no bairro da Vila Madalena, em São Paulo.

 

Na própria Serra da Canastra, produtores como Zé Mário tinham se tornado bastante raros. O mesmo acontecia, por exemplo, no oeste de Santa Catarina. Segundo Bruno Cabral, dono da mercearia Mestre Queijeiro, em Pinheiros, também na capital paulista, uma pesquisa feita em 1986 apontava que no lugar havia 59 mil produtores de queijo. Em 2006, quando refizeram a contagem, tal número havia se reduzido para 5,9 mil. “Os filhos não eram orgulhosos com a produção de queijo, preferiam fazer serviços ordinários em pequenos centros urbanos. Isso quebra uma cadeia histórica e social”, diz Cabral.

“Estamos vivendo uma revolução queijeira”, crava Cabral, analisando a retomada dessa cultura. E esse movimento não vem apenas com o refortalecimento de produtos tradicionais, mas também com iniciativas inventivas, influenciadas por tradições queijeiras europeias, que resultam em peças como o Flor de Mandacaru, uma espécie de camembert feito em Pernambuco, além dos que são feitos a partir do leite de mamíferos que não a vaca, como a cabra e a ovelha.

 

Outro animal que fornece leite para o queijo artesanal produzido no país é a búfala. Na Ilha do Marajó, no Pará, onde o bovino é tão comum quanto um cachorro, produtores como Luis Ferreiro Leal, que aos 9 anos aprendeu a fabricar o alimento com seu pai, fazem o Marajó uma espécie de rótulo de procedência, com produtos que podem se aproximar de uma mussarela ou um requeijão, por exemplo.

 

Olhando para cada pequeno produtor, encontramos uma história diferente e, para cada região onde estão, uma realidade particular. “Aí que você vê o que é o Brasil. Se pegar o produtor de Guaramiranga, no Ceará, o da Canastra, de Minas, e o Serrano, do Rio Grande do Sul, parece que são três países diferentes”, diz Oliveira.

 

Um desses produtores está no interior do Rio Grande do Sul, em São José dos Ausentes. Seu Antônio Lopes vive na fazenda Rincão Comprido, onde produz diariamente quatro peças de queijo Serrano, uma tradição que já está em sua família há mais de um século. Com uma propriedade de 200 hectares e de difícil acesso, há vezes que Lopes precisa percorrer dezenas de quilômetros sobre seu cavalo para levar os queijos até clientes, exatamente como seus antepassados faziam.

 

Já Soraya Müller deixou a cidade de São Paulo após se casar com o suíço Diete Müller. Foram para o Vale do Jequitinhonha, onde começaram a produzir os queijos na Fazenda São Francisco, inspirados exatamente nos exemplares suíços. Movimento semelhante fez Elizabeth Schober, do Queijo com Sotaque, que, em Paulo Lopes, na Grande Florianópolis, produz queijos que remetem aos feitos na França, seu país natal. Segundo Oliveira, conhecer a trajetória de quem faz os queijos é algo que encanta os consumidores. “As pessoas vão se apaixonando, querem saber a história dos produtores, o que fazem de diferente.”

 

IMPACTOS SOCIOLÓGICOS

Esse momento pelo qual vem passando o queijo no país não é importante apenas porque resgata a antiga e fomenta uma nova tradição, mas também pelo impacto social que isso causa. A primeira evidência é a oportunidade de os produtores se desenvolverem. “Aqueles que conseguiram colocar seus produtos nos grandes mercados, com certeza melhoraram de vida. Até porque o valor desses queijos aumentou bastante”, diz Cabral.

 

Com um movimento que leva mais dinheiro para o campo, o êxodo rural também é combatido. “Nessas famílias, atuam diretamente na produção normalmente três ou quatro pessoas. Então, tem casos de filhos que voltam para a fazenda para trabalhar com os pais. Esse resgate da tradição vira um modelo e mais gente passa a querer fazer esses queijos, em vez de simplesmente vender o leite”, explica Oliveira, que, antes de abrir a loja de queijos, dava aulas de sociologia. Além disso, ele se lembra de outro impacto provocado por esse resgate: o fomento de culturas locais, que acaba por despertar o interesse de turistas, algo que ajuda a movimentar toda a economia das pequenas cidades nas quais, normalmente, os produtores estão instalados.

 

Entretanto, apesar de alguns apoios estaduais e do reconhecimento institucional – o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional considera, desde 1998, o processo de produção do queijo artesanal mineiro um Patrimônio Histórico Imaterial Brasileiro –, o momento poderia ser ainda melhor para os pequenos produtores caso as leis do país não fossem tão antiquadas, principalmente em relação a produtos feitos a partir do leite cru. Para ele, outro ponto fundamental seria definir exatamente o que é um “queijo artesanal”, para que, dessa forma, pequenos produtores possam batalhar por mudanças na lei e o consumidor seja orientado corretamente ao comprar produtos, sem correr o risco de deparar com um queijo industrial sendo vendido como feito por um artesão.

 

Apesar disso, o otimismo prevalece e Oliveira finaliza, brincando: “Falo para os franceses nos aguardarem, que a gente vai chegar e eles ainda vão comer nossos queijos”.

 

OS QUEIJEIROS

Oliveira, que hoje tem em sua loja 150 tipos de queijos, fornecidos por 50 produtores de todo o país, começou a se interessar pelo alimento quando rodava fazendas em busca do queijo que comia com o seu avô. Procurando por novidades, vai a pequenas cidades garimpando produtores muitas vezes escondidos na zona rural. Já Cabral, em suas andanças, lamenta a situação que encontrou em 2010, logo depois que retornou da Espanha, onde estudava gastronomia: produtores vendiam seus queijos a preço abaixo do de custo para que não perdessem as mercadorias. Hoje, garante pagar aos fabricantes 40% além do que é necessário para a fabricação dos alimentos. “Assim, eles podem investir na família para melhorar a qualidade de vida dos lhos – que é a futura geração queijeira.”

 

Data da Publicação: 16/07/15

Fonte: Laticinio net

http://www.laticinio.net/noticias/completa/17173_quanto-mais-queijo-melhor

 

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