Pecuaristas no prejuízo

31/10/2014
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Um papel sem assinaturas nem valor jurídico foi o que restou nas mãos de muitos pequenos produtores de leite em Minas Gerais. Acreditando no compromisso da empresa LBR – Lácteos Brasil S.A, considerada uma das maiores operações privadas do setor de laticínios no Brasil, esses pecuaristas passaram a vender em média 300 litros por dia à empresa e, este ano, estão sem receber pelo volume vendido por diversos meses. Somada a dívida desses fornecedores, só em Ibertioga, na Região Central do estado, são cerca de R$ 230 mil a serem recebidos por cerca de 15 pecuaristas. A situação se agrava ainda mais, já que a LBR não responde à cobrança dos homens do campo, que precisam do dinheiro para continuar no ramo.

 

Além daqueles de Ibertioga, em Barbacena e outras cidades que fazem parte da bacia leiteira de Minas Gerais também já há relatos do calote aos produtores. “Sabemos que não é só aqui em Ibertioga. Tem outros em nossa região nas mesmas condições. Mas estamos nos unindo para ter de volta o que nos devem”, comenta o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Ibertioga, Leandro Augusto de Andrade. Segundo ele, a história na cidade começou no ano passado, quando representantes da LBR procuraram muitos produtores do município oferecendo pagar cerca de 20% acima do valor oferecido pela concorrência pelo litro de leite: algo em torno de R$ 1,10. A quantia levava em conta também a qualidade do produto, podendo chegar a R$ 1,15 por litro. “A boa proposta, então, foi aceita por muitos, que passaram a ser fornecedor da LBR”, conta Leandro. Segundo ele, a cada dois dias um caminhão do laticínio chegava às fazendas e sítios para a captação. Só entre os 15 fornecedores, captava em média 18 mil litros a cada viagem.

 

Sem contrato nem outro documento com valor jurídico, foi acordado entre a empresa e os produtores, segundo contam, o pagamento sempre no dia 20 do mês seguinte, tendo adiantamento de 40% no dia 5 de cada mês. “Eles captavam durante 30 dias e somente no dia 20 do outro mês recebíamos integralmente o que foi entregue no mês anterior. Ou seja, eram 50 dias para receber”, conta Leandro de Andrade. O problema, segundo ele, é que, com o passar dos meses, parte do pagamento não vinha sendo cumprida e, durante junho e julho, muitos ficaram sem receber integralmente. “Quando percebemos que os atrasos estavam constantes, muitos de nós paramos de vender o leite a eles. Só para mim devem R$ 22 mil.”

 

Aos filhos de Antônio Rezende Miranda, pai dos produtores Antônio Augusto Rodrigues e João Batista, o laticínio deve R$ 39 mil e R$ 35 mil, respectivamente. “O que sabemos é que a LBR entrou em recuperação judicial e foi vendida a uma empresa francesa. Porém, eles não nos atendem. O calote tem afetado a economia da cidade, já que a dívida com os produtores é alta. Conosco, começaram a atrasar o pagamento em abril e em maio. São muitas as famílias prejudicadas. Eu vendia, para eles, 1,7 mil litros por dia”, comenta Antônio Augusto.

 

REVOLTA

O Estado de Minas foi a Ibertioga e conheceu, de perto, o drama desses produtores rurais. Preocupados com a estiagem que atinge as plantações e encarece o preço das rações e suplementos, o que aumenta os custos dos pecuatistas nesta época em 30%, muitos dizem ter medo de não conseguir manter sua produção. Afinal, com a dívida da LBR estão sem condições de investir no gado. Além disso, muitos fizeram dívidas até mesmo com agiotas, que cobram 5% de juros ao mês. “Comecei a ser fornecedor da LBR em janeiro porque achei a proposta muito boa. Porém, veio o calote e, hoje, me devem R$ 4,8 mil. Tenho filho para criar e para entrar nessa produção, em dezembro, fiz dívidas para comprar animais, ordenha e outras coisas”, lamenta o produtor Gilmar José de Souza Alves.

 

Já para Mauro Campos Júnior, a dívida é de R$ 7 mil. “Quando ligamos para a empresa, eles nos perguntam se estamos ativos, ou seja, se continuamos a vender para eles. Quando contamos que não, eles não nos atendem mais”, lamenta Mauro, que diz que, quando representantes da LBR iam captar o leite, entregavam ao produtor um papel sem assinaturas nem nada. “Nele consta somente o quanto captaram e o dia”, mostra o produtor Leonardo Araújo Campos, para quem a empresa deve R$ 13 mil. Há uma suposta folha de pagamento da empresa, porém, segundo Gilmar, muitas vezes, ao ir ao banco, não havia a quantia. “Saí da cidade com a ilusão da fazenda e, quando começo a produção, acontece um calote desses”, lamenta Leonardo, que tem produção de 12 mil litros de leite por mês e entrou no ramo neste ano.

 

Com a seca, que encarece a produção, muitos temem severos prejuízos para o ano que vem. “A perda de um mês de leite é um ano sem ganhar nada”, comenta Gilmar. Segundo ele, muitos produtores vão começar 2015 no vermelho. Na conta dos pecuaristas, sobre a grana que a empresa lhes deve, 5% é lucro para o fornecedor, o resto vai para pagar as despesas.

 

Sem respostas da LBR

Representantes da LBR – Lácteos Brasil S.A foram procurados pela reportagem do Estado de Minas. No entanto, nenhum deles “pôde dar entrevista” e explicar as razões da dívida com os pecuaristas da Região Central de Minas. A assessoria de comunicação informou, por meio de nota, que a empresa está em dia com o pagamento de todos os produtores que mantêm o fornecimento normal de leite da empresa. Porém, os fornecedores de Ibertioga alegam que, aqueles que ainda vendem o leite à empresa, estão recebendo com atrasos e aqueles que saíram amargam as dívidas. A LBR não respondeu sobre essa situação e tampouco sobre outras denúncias envolvendo o resto do país. Estima-se que no Rio Grande do Sul, por exemplo, a dívida dela com cerca de 20 produtores, já chega a R$ 700 mil.

 

Criada em dezembro de 2010, a partir da união entre das empresas Bom Gosto e a Leitbom, a LBR sempre carregou o título de ser a campeã nacional do leite. Na época, tinha marcas reconhecidas, como a Parmalat, e uma inédita rede nacional de captação e processamento de leite, com fábricas em 10 estados. Dinheiro não era problema. Mas, em 2012, a empresa dava sinais de que algo estava errado. Nada menos que 15 de suas 33 fábricas foram fechadas. Das 23 marcas originais, 14 foram aposentadas e cerca de 1,4 mil funcionários perderam o emprego. A empresa, em 2012, tinha dívida de R$ 420 milhões.

 

Sua captação anual, segundo informação divulgada atualmente no site da LBR, é de mais de 2 bilhões de litros de leite e acesso a uma cadeia de 56 mil fornecedores regulares. De acordo com a assessoria, em 2013, a empresa entrou em processo de recuperação judicial e colocou 14 unidades produtivas isoladas (UPI) à venda, entre elas a Boa Nova, que fica na cidade de Antônio Carlos, no Curral Novo, a cerca de 20 quilômetros de Barbacena, na Região Central do estado. A reportagem chegou a ir até a fábrica e já não há mais placas. Um funcionário, que não quis se identificar, informou que não havia ninguém na administração e que há um processo isolado na Justiça: por isso não há o nome da LBR em lugar nenhum do imóvel.

 

Este mês, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou a venda da marca de laticínios Ibituruna pela LBR para a Cooperativa Agropecuária Vale do Rio Doce. Vários produtos levam a marca objeto do negócio com a cooperativa sediada em Governador Valadares (Vale do Rio Doce): leite UHT, leite aromatizado, creme de leite, queijos muçarela e prato.

 

A compradora, que adquiriu a marca por R$ 9,828 milhões, só atuava até então no mercado de leite in natura. Uma semana antes, o Cade já tinha aprovado operações envolvendo a venda de ativos tangíveis e intangíveis da LBR para o grupo CBA, dono da empresa de cestas básicas e natalinas CBA Soluções em Benefício Alimentação, e para o Laticínios Bela Vista Ltda., dono da marca Piracanjuba.

 

O Cade também aprovou a aquisição de cinco unidades da LBR pelo grupo francês Lactalis – uma delas é a Boa Nova, com fábricas em Antônio Carlos (Curral Novo) e Pouso Alto (Sul de Minas). Segundo a assessoria da LBR, falta um magistrado na Primeira Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo emitir carta de arrematação para as vendas serem concretizadas.

 

Esperança nas negociações

Ainda não se sabe como ficará a situação daqueles produtores com dívidas a serem quitadas pela LBR. Apesar de questionada pela reportagem do Estado de Minas, a empresa não respondeu. “Queremos um acordo pacífico. Por isso ainda não recorremos à Justiça”, comenta o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Ibertioga, Leandro Augusto de Andrade.

 

Na visão do diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínio do Estado de Minas Gerais, Celso Costa Moreira, trata-se de um compromisso financeiro do laticínio com os produtores que não tem como ser negado. “Pelo que sabemos, esse passivo ainda não entrou na recuperação judicial, mas, certamente, vai demorar mais do que o desejável. É um processo lento, que cria um desgaste muito grande. Para os produtores, esse dinheiro é como se fosse a dependência de um salário. Imagino a ansiedade e dificuldade que estão passando”, afirma.

 

Segundo Celso Moreira, o caso é atípico no ramo. “Temos um setor pujante em Minas. As indústrias movimentam recursos grande, empregam muita gente. Com uma gestão benfeita, uma empresa consegue se manter nos momentos de turbulência”, diz.

 

Um caso atípico

A crise da LBR – Lácteos Brasil S.A tem causado transtornos a pecuaristas como Antônio Rezende Miranda e Gilmar de Souza Alves, que investiram na produção leiteira, apostaram na empresa e estão sem receber pela produção vendida nos últimos meses. Como só contam com um papel sem valor que comprova a movimentação da transação e mais nada, eles estão desolados, sem saber como fazer para receber.

 

Apesar de o problema ser grave, é visto como um caso isolado, conforme defende Bruno Lucchi, superintendente técnico-adjunto da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Ele comenta que não há crise na produção de leite do país, mas pede atenção dos produtores para os resultados esperados para 2015. Ao comparar este ano com 2013, ele diz que o início do ano passado foi ruim para o setor, com insumos com custos muito elevados. “Isso fez com que muitos fornecedores diminuíssem a sua produção no primeiro semestre. Porém, no segundo semestre, com uma oferta menor e a demanda alta, os preços começaram a subir e a tonelada de leite em pó chegou a US$ 5 mil”, diz.

 

Fonte: Estado de Minas

Publicada em segunda-feira, 27 de outubro de 2014

 

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