Fórum MilkPoint: leitora questiona alteração na cor do queijo manteiga fabricado na sua propriedade familiar

16/09/2015
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Aliete: “Há 25 anos a minha família fabrica, artesanalmente, queijo de manteiga também conhecido como queijo do sertão e requeijão fundido. A fábrica é pequena e produz cerca de 50 quilos de queijo de manteiga por semana. Os meus pais são responsáveis pela produção. Há um mês começamos a ter problemas na qualidade do queijo que passou a apresentar alteração na sua cor, sem entretanto apresentar alteração no sabor, ficou mais escuro, com tonalidade rósea. Até então, o queijo apresentava-se na coloração característica do queijo de manteiga: de amarelo-palha para branco. Não usamos coagulante láctico, o leite cortava naturalmente. 

A primeira hipótese pensada foi que a pastagem fosse responsável pela alteração. O gado estava em um local onde plantou-se tomates, mas já não existiam mais frutos no local. Mudamos o rebanho para outra pastagem (há quase um mês), em outro local, mas a coloração do queijo permaneceu alterada. O início das alterações coincidiram com a chegada de 3 novas vacas leiteiras. O leite não apresenta mudança na coloração, a tonalidade rósea começa a aparecer na coalhada, em raias. Além disso, o leite está demorando muito tempo para cortar e a dessoragem é mais difícil. Quando feito o queijo coalho a título de teste, este não apresentou alterações. A coloração rósea é acentuada durante o esfriamento do queijo. Não há no rebanho leiteiro animais com mamite/mastite ou em uso de medicamentos por outro motivo. O rebanho aparenta estar saudável. Não houve mudanças no processo de fabricação, não houve mudanças de funcionários na fábrica ou na ordenha. Lendo artigos na internet, notei semelhança com os relatos de ataque de fagos/vírus bacteriófagos que possivelmente foram trazidos pelas 3 novas vacas ao rebanho. De acordo com os artigos lidos por mim, esses vírus matam bactérias produtoras lácticas que são essenciais no processo de fabricação do queijo, tendo-se um leite alcalino. Então, iniciamos as medidas de combate a este problema como uso de cloro em alta concentração no ambiente, dessoragem em sala diferente da que é feita a fabricação do queijo, entretanto, não consegui encontrar na região fitas para medir o pH do leite e de culturas termofílicas para correção do pH. Sugeri o uso do coagulante usado no queijo coalho para fabricar o queijo de manteiga, houve melhora da coloração, esta tendendo a normalidade, mas com alteração indesejável da textura, pois adquiriu uma textura "borrachenta/seca". 

Peço, por obséquio, esclarecimento sobre o que está causando esta alteração nos queijos de manteiga. E caso seja mesmo condizente com vírus bacteriófago, há malefícios para o consumidor? O que fazer para evitar as alterações descritas?”


Veja abaixo a resposta de Neila Richards:

Neila: "Pelo relato parece ser mesmo a presença de bacteriófagos, já que outras possibilidades foram descartadas (mamite, alimentação). Não, necessariamente, vieram dos animais novos, poderiam estar no laticínio e agora se multiplicaram a ponto de interferirem na capacidade de produção de ácido lático pela cultura naturalmente presente no leite. Os bacteriófagos provocam demora parcial e, às vezes, total na atividade acidificante das bactérias lácticas iniciadoras. O ciclo lítico do fago é muito rápido, muitas vezes de 30 minutos. As células infectadas liberam, em média, cerca de 100 novas partículas fágicas por célula lisada que, uma vez liberadas, a fluidez do leite permite que as partículas se dispersem de forma eficiente e infectem outras bactérias ácido láticas. Como prejudicam o desenvolvimento da acidez do leite, podem favorecer o desenvolvimento de micro-organismos contaminantes, tais como os coliformes. Os bacteriófagos são, em geral, capazes de resistir as mudanças ambientais melhores que as bactérias, podendo persistir em locais que não sejam limpos e sanitizados adequadamente. Resistem ainda a tratamentos térmicos como a pasteurização do leite.

Nas queijarias, o soro constitui o principal reservatório de bacteriófagos, por isso é importante que a dessoragem ocorra em outra sala que não a de fabricação do queijo. Um cuidado adicional seria pasteurizar ou resfriar imediatamente o soro para diminuir o risco de contaminação. E, um ponto importante é evitar a intensa circulação de ar das áreas de manipulação de soro para as áreas de fabricação do queijo. Na fabricação do queijo, o leite sai de um pH de, aproximadamente, 6,6 e 18º Dornic de acidez para (pH) 5,4 e acidez superior a 60º Dornic, seria interessante medir a acidez do leite e soro, uma vez que o acidímetro Dornic é um equipamento de fácil manuseio e eficiente para determinar se está ou não ocorrendo a acidificação do leite. A textura “borrachenta/seca” percebida com a utilização de coagulante deve ter ocorrido pelo excesso deste no leite.

Bacteriófagos atacam células bacterianas, não há relatos de doenças transmitidas por alimentos com bacteriófagos. No caso de produtos lácteos, os bacteriófagos inativam as bactérias láticas e portanto, não há acidez suficiente para proteger o produto favorecendo a contaminação por micro-organismos deterioradores e patogênicos.

Algumas sugestões para minimizar o problema:

- Rotação de culturas láticas, pode-se usar iogurte natural como cultura termofílica pois promovem o rápido abaixamento do pH do leite. Quando a bactéria é removida do ambiente contaminado, através da rotação de fermentos (culturas), o bacteriófago perde sua capacidade de multiplicação e, aos poucos, os níveis desta contaminação específica são reduzidos;

- Limpeza e sanitização: importante ter ações diárias muito bem monitoradas e definidas. Qualquer método de desinfecção deve ser efetuado em ambientes ou superfícies sem a presença de resíduos orgânicos, como leite ou soro;

- Hipoclorito de sódio e ácido peracético inativam bacteriófagos dentro de 5 a 10 minutos. Indica-se, para o ácido peracético, a concentração mínima de 350 ppm ou 0,3 a 0,5% de concentração das soluções comercializadas atualmente. Aconselha-se o abaixamento do pH da água que será utilizada no preparo desta solução para pH de 2 a 4 com ácido fosfórico, nítrico ou acético. Este procedimento potencializa a ação sanitizante do produto. Quanto ao cloro, sugere-se uma solução de 250 a 400 ppm de cloro ativo ou 0,25 a 0,5% de concentração de solução de hipoclorito de sódio comercial. Tão importante quanto o emprego de hipoclorito de sódio ou ácido peracético é a frequência com que a limpeza e desinfecção ocorre;

- Desinfecção de mãos e botas: indispensável para todas as pessoas que estão ligadas diretamente com a manipulação da cultura e ingredientes utilizados nos processos de fabricação ou quando necessitam circular entre os setores da fábrica;

- Pulverização do ambiente: deve ser realizada a pulverização, ao final da jornada de trabalho, com uma solução de cloro a 300 ppm. Esta pulverização provocará a sedimentação e inativação dos fagos do ar sobre o piso e equipamentos. Uma nova desinfecção com solução de cloro, 50 a 100 ppm, deve ser realizada antes do início das atividades do dia;

- Desinfecção dos panos: se no processo for utilizado panos de algodão, estes devem ser lavados com água quente, desinfetados com solução de cloro (50 a 100 ppm) e secos, de preferência em secadoras com ar quente;

- Água: importante verificar a qualidade da água que está sendo utilizada na fábrica, observando os parâmetros da legislação para água potável”.

Data da publicação: 16/09/2015

Fonte: MilkPoint

http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/giro-lacteo/forum-milkpoint-leitora-questiona-alteracao-na-cor-do-queijo-manteiga-fabricado-na-sua-propriedade-familiar-96939n.aspx

 

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